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Por que a concentração de renda está crescendo

Linha fina
Apenas 62 indivíduos possuem tanta renda quanto 3,6 bilhões de pessoas, aponta estudo; economistas denunciam lógica do atual sistema econômico mundial, que enfraquece o Estado e desestimula investimento no setor produtivo
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São Paulo – A concentração de renda está atingindo níveis catastróficos não verificados desde o final do século 19. A afirmação é do economista francês Thomas Piketty em sua obra O Capital no Século 21 e foi corroborada pelo relatório da ONG britânica Oxfam, divulgado na segunda-feira 18. O documento revela que pela primeira vez em 2015 a riqueza de1% da população mundial ultrapassou a dos 99% restantes, e que apenas 62 indivíduos concentram tanta renda quanto 3,6 bilhões de pessoas. Em 2010 eram 388, o que atesta a concentração financeira cada vez maior.

> Riqueza de 1% supera a dos 99% restantes em 2015 

Esse processo vem ocorrendo, destaca Piketty, desde o fim dos anos 1970, quando os países capitalistas desenvolvidos atingiram um grau de igualdade social jamais experimentado, graças a participações mais ativas do Estado e do setor produtivo na economia.

O economista e pesquisador da Unicamp José Dari Krein explica que a partir dos anos 1980 começou a constituir-se o neoliberalismo. Uma nova ordem econômica e política fundamentada sob uma lógica muito desfavorável ao trabalho e propícia à especulação financeira.

Isso porque a partir daquela década – por meio de dois princípios do neoliberalismo: redução dos impostos cobrados dos mais ricos e da diminuição do papel do Estado –, consolidaram-se medidas que atacaram os direitos dos trabalhadores e do investimento em políticas sociais; assim como se fortaleceu a ideia de uma sociedade autorregulada pelo mercado financeiro.

Esse movimento de financeirização desregulamentada que age além das fronteiras possibilitou a constituição de grandes grupos econômicos internacionais com poder para submeter os estados nacionais aos seus interesses e enfraquecer os sindicatos a fim de rebaixar direitos trabalhistas.

“Ou seja, a maior liberdade de movimento de capitais organizados pela lógica financeira fragilizou as instituições que historicamente foram fundamentais para redistribuir renda e pressionou os estados a diminuir os custos com a questão social. É um movimento que favoreceu a concentração de renda ao invés da sua distribuição”, explica Dari Krein.

Mais lucros X menos direitos – Essa desregulamentação do setor financeiro, aliada a diminuição do Estado, se deu junto a outro fenômeno: a internacionalização do processo de produção de bens e serviços. Isso se traduz no deslocamento de empresas para países menos desenvolvidos, que pagam salários mais baixos, dispõem de menos direitos trabalhistas e por isso oferecem custos menores de produção. Isso tem pressionado outros países a também discutir redução de direitos.

O interesse por trás deste movimento é a otimização de lucros para poucos, denuncia Dari Krein. E o resultado: a concentração de renda evidenciada tanto por Piketty quanto pela ONG Oxfam.

“A busca pela redução de custos é arrochar salários, reduzir direitos”, reforça o economista. “Esse processo de financeirização internacional fragiliza os Estados nacionais e os sindicatos, que são extremamente importantes para reduzir essas desigualdades, porque essas instituições vertem para os trabalhadores aumento de direitos e de salários. Os Estados e os sindicatos são fontes que podem se contrapor ao capital, porque na lógica do mercado prevalece o mais forte: quem pode mais chora menos. E nesse sentido está se configurando uma ordem extremamente desfavorável ao trabalho”, acrescenta.

O economista e consultor da ONU Ladislau Dowbor ressalta que a desregulamentação financeira tornou as aplicações nos mercados de capital muito mais lucrativas do que o investimento no setor produtivo, responsável pela geração de empregos e pagamento de impostos.

“As atividades produtivas de bens e serviços geram lucros na ordem de 2% ao ano, enquanto a média das aplicações financeiras rendem 5% a 7% ao ano. Por isso, quem investe no setor financeiro tende a acumular riqueza mais rapidamente do que no setor produtivo, o que aprofunda o desequilíbrio”, sustenta Dowbor.

Para dar um exemplo próximo da nossa realidade, atualmente a taxa Selic, que comanda o juro da dívida pública brasileira, está em 14,25% ao ano, uma das mais altas do mundo. “Isso estimula não só os bancos, mas também muitos empresários do setor produtivo a aplicar seu capital nesses títulos, que darão essa alta porcentagem de retorno com liquidez e garantia total”, explica Dowbor.

Nem empregos, nem impostos – O problema é que esse tipo de aplicação não produz qualquer tipo de bem, como automóveis, geladeiras ou parafusos, e por isso praticamente não gera emprego e não paga impostos.

Além disso, concentra os ganhos nas mãos de muito poucos, desestimula a iniciativa dos bancos em fomentar a economia – por que emprestar dinheiro para o pequeno empresário a taxas mais baixas, se podem lucrar muito mais emprestando dinheiro para o governo cobrando juros bem mais altos? –, e ainda trava a capacidade de investimento do Estado em infraestrutura e políticas sociais, já que grande parte do orçamento se destina a pagar esses juros da dívida.

Para completar a tragédia, o dinheiro lucrado na especulação financeira, frequentemente, tem como destino paraísos fiscais, sem pagar qualquer tipo de imposto. A Oxfam pede em seu relatório sobre concentração de renda o fim da "era dos paraísos fiscais", acrescentando que nove em dez empresas que figuram entre "os sócios estratégicos" do Fórum Econômico Mundial de Davos "estão presentes em pelo menos um paraíso fiscal".

A organização não governamental Tax Justice Network calcula em US$ 520 bilhões, equivalentes a cerca de 30% do PIB brasileiro, o volume de recursos obtidos no país e que estão em paraísos fiscais. "É um dinheiro que vai embora do Brasil sem pagar impostos, sem ajudar a estruturar a economia e sem servir aos interesses da sociedade, como determina o artigo 192 da Constituição Federal. Esse negócio é insustentável”, critica Dowbor.

Rodolfo Wrolli – 20/1/2016
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